terça-feira, 28 de abril de 2009

FILOSOFIA DO RALO DA PIA

Por Raul Longo

Pois não é que eu descobri que o negócio funciona mesmo!

É tanta das asnices, dos preconceitos, do atraso, do reacionarismo que se ouve e se leva nas fuças a cada vez que se liga a TV, que se olha para uma banca de jornal e revistas, que se escuta o rádio, e até quando, inadvertidamente, se vai abrindo as mensagens do programa de correio; que acabei descobrindo que só me é possível pensar enquanto lavo louça.

Se fosse antes da máquina de lavar roupa, seria ainda melhor. Pensando bem, talvez não... Descarregaria toda minha indignação e não haveria tecido que resistisse muito tempo. Bom mesmo são as louças e panelas, pois essas ao menos brilham solidamente, de alguma forma compensando minha irritação pela debilidade imperante nas médias: a classe social e a do inglês: “media”, que aportuguesamos para mídia.

Além das similaridades ortográficas, também se assemelham no histórico: nunca afundam. Bóiam! Com toda a descarga dos fatos, estão sempre ali: aquele troço amorfo, incapaz, rolando sobre si mesmo e servindo apenas para produzir mau cheiro.

Ao longo dos últimos meses, com insistência quase diária, recebi dezenas de vezes em minha caixa postal a ficha do DOPS onde Dilma Rousseff é apontada como subversiva, envolvida no assalto ao cofre do Adhemar de Barros. Foi isso o que me aproximou da pia, em busca de condições para pensar sobre a inércia mental dos que bóiam, descarregando indignação no arear das panelas.

E minhas panelas ficaram brilhando ainda mais na semana que passou, quando soube que um dos maiores jornais do país utilizou da mesma necedade em suas páginas. Confesso que há muito não espero da mídia brasileira nada acima da média. Sei impossível apresentarem alguma consistência, uma matéria mais sólida. Apesar de ter exercido o jornalismo por três décadas, não tenho nenhuma ilusão quanto aos profissionais do país, mas dessa vez se superaram!

No ensaboar e enxaguar de louças e metais, comecei a me perguntar: Se o principal jornal do país se pauta pela impossibilidade de raciocínio de seu leitor, teremos atingido um moto-perpétuo? A imprensa que idiotizou o leitor torna-se idiotizada pelo mesmo leitor que idiotizou e idiotizará o leitor que a idiotiza através de quantas gerações?

Hoje leio uma frase do humorista José Simão sobre o Brasil emprestar dinheiro ao FMI, aumentando sua cota de participação: "É o poste que mijou no cachorro!" Me sugeriu nova questão para as panelas: o que é o leitor de jornal nesse país? A comparação foi mera conseqüência: seria a famosa “maioria silenciosa” norte-americana tão mentecapta quando sua correspondente brasileira? Suspiro aliviado e afetando orgulho corrijo a informação, lembrando aos talheres que apesar de menos silenciosos, aqui não fazem maioria, não senhor! Tão pensando que brasileiro é besta?

Os fundos dos copos me olham, obrigando-me a lembrar de nossos vizinhos, da admiração e do carinho que na Argentina se devota às Madres de La Plaza de Mayo, à Bachelet no Chile. Lembrei-me da admiração dos uruguaios pelas vítimas e sobreviventes da luta contra a ditadura tão neo-nazista quanto a nossa! E, pasmo, pergunto à xícara: “- Por que não afundamos?”

Mudos, os pratos, as travessas, os talheres, não podem responder. Insisto, contando que a nossa ditadura foi o modelo para todos os demais países do cone sul do continente. Lembro que fomos os primeiros a cair na mão de militares canalhas, aliados a políticos tão corruptos e asquerosos quanto Adhemar de Barros, um tarado denunciado por muitas de suas funcionárias, mais de uma vez flagrado nu em seu gabinete, molestando secretárias.

Dilma Rousseff nega ter participado do assalto à casa da amante do Adhemar de Barros, de onde levaram um cofre contendo uma fortuna em verbas públicas surrupiadas. De fato, não era o tipo de ação do grupo de resistência ao qual ela pertenceu. Contemporâneos ao fato garantem ter sido realizado pelo grupo do Capitão Carlos Lamarca, que adotava o roubo do que era roubado do povo para aplicar na luta contra o regime que oprimia e roubava o povo.

“- Um novo Robin Hood!” – pronunciaria o juvenil entusiasmo da colherinha de café, mas claro que não pôde dizer coisa alguma. Quando contei que Adhemar fora um hipócrita moralista, líder da Marcha de Deus com a Família que coagia e chantageava mulheres para obter favores sexuais, imaginei um “- Ohhh!” – indignado da panela de pressão. Claro que não houve qualquer reação, mas assim mesmo confessei quanto eu mais admiraria Dilma Rousseff, se realmente fosse ela a autora do assalto à casa da amante do crápula que lançou o lema mais tarde adotado pelo Maluf: “rouba, mas faz”.

Adhemar e Maluf ao menos já afundaram na descarga da história, mas a média e a mídia continuam aí: boiando.

Esfregando a palha de aço, vou ampliando minhas comparações e comentando às louças o que imagino que não daria um candidato alemão para conseguir uma ficha da Gestapo, semelhante a do famigerado e proscrito DOPS sobre a Dilma. O que não daria por uma ficha dessas, qualquer político alemão!

Desde Getúlio Vargas o DOPS foi o responsável pela prisão, tortura, execução e exílio dos mais distinguidos brasileiros de todas as classes sociais e atividades. Inclusive jornalistas como Wladimir Herzog e intelectuais como Graciliano Ramos.

A Gestapo brasileira foi comandada por assassinos tão sanguinários quanto Hermann Göring, como o Filinto Muller e o chefe do Esquadrão da Morte, Sérgio Paranhos Fleury. Se Ângela Merkel tivesse uma ficha da Gestapo igual a que tem Dilma Rousseff do DOPS, nem precisaria ter feito campanha alguma para ser eleita. E faria a maioria no Congresso alemão, sem ter de se preocupar com a enorme coligação que teve de formar com seus opositores.

Na Alemanha, ter confrontado o regime e os torturadores nazistas, é comprovação de heroísmo. Na Argentina, ter reagido e sobrevivido aos torturadores da ditadura, é glorioso! No Chile, como foi à Bachelet, é indicação certa à presidência. No Uruguai, é motivo de admiração e respeito de todos! Em qualquer lugar do mundo!

Só no Brasil a média e a mídia continuam boiando na história, concluo para os pratos, as tampas, gamelas, xícaras e copos, todos muito espantados e estáticos, perfiladinhos ali no escorredor. Inativos, é verdade, mas cada qual com sua utilidade e formas definidas, matérias consistentes. Desprovidos de inteligência, eu sei. Mas não tão estúpidos a ponto de escorrer mediocridade.
Raul Longo
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