- Por Gustavo Gindre
- no Observatorio do Direito da Comunicaçao
- FNDC
A saída da Globo do controle da NET Serviços deve
ser analisada com muito cuidado. Segundo a visão deste blog, trata-se
praticamente da conclusão de um processo que se iniciou há mais de dez
anos, quando a Globo entrou em crise, incapaz de pagar suas dívidas. A
decisão, então, foi manter o controle familiar do grupo (sem ceder
participação patrimonial aos credores), mas vender quase tudo o que não
estivesse relacionado diretamente com a produção de mídia.
Foram vendidas fazendas, uma financeira (Roma), uma construtora (São
Marcos) e vários outros negócios, muitos deles ligados à comunicação. A
Globo deixou o controle da subsidiária da NEC no Brasil, praticamente
encerrou as atividades de sua gravadora Som Livre, fechou a
distribuidora Globo Vídeo e o varejo da Globo Disk, saiu da Teletrim, da
TV portuguesa SIC e da Maxitel (atualmente parte da TIM), vendeu a
empresa de telecomunicações Vicom e a gráfica Globo Cochrane e liquidou o
sonho de uma operadora de parques temáticos.
Essa redução implicou, também, em desistir do mercado internacional.
Embora importante como estratégia de divulgação, o lucro com a venda de
novelas para outros países sempre foi residual no faturamento da
Globopar. Ao mesmo tempo, a Globo International jamais ambicionou ser
nada além de um canal para brasileiros vivendo fora do seu país.
Concorrentes nacionais
Na crise a Globo não esteve sozinha. Praticamente todos os grandes
grupos de mídia brasileiros também reduziram suas ambições neste mesmo
período. Hoje, a Globo tem receita líquida anual maior do que a soma de
Record, SBT, Grupo Bandeirantes, RedeTV, Folha de São Paulo, Grupo OESP,
UOL, RBS e Abril. Adversários como JB e Manchete ficaram pelo caminho.
Some-se à fragilidade e incompetência dos outros grupos brasileiros de
mídia, a atuação dos sucessivos governos, que, seja como regulador ou
como fomentador, jamais demonstraram vontade de encarar o poderio da
família Marinho.
Concorrência estrangeira
Mas, o cenário é completamente diferente quando se analisa os adversários estrangeiros.
Enquanto vendia a NET Serviços para Carlos Slim, a Globo assistiu a
Televisa impedir o mesmo Slim de entrar no mercado mexicano de TV a cabo
ao mesmo tempo em que investia no mercado de telefonia celular
(Lusacell) e nos consumidores hispânicos que vivem nos Estados Unidos.
Mas, os maiores temores da Globo não estão na América Latina.
A família Marinho teve forças para impedir que a TV aberta brasileira
se tornasse interativa (mesmo tendo que praticamente banir o uso do
middleware brasileiro conhecido como Ginga). Mas, ela não pode lutar
contra o fenômeno das smartTVs e da chegada do video on demand. Com
isso, empresas como Samsung, LG, Sony, Google, Apple e Amazon, que até
então atuavam em outros mercados, passaram a disputar a audiência
brasileira, em um fenômeno que só tende a crescer nos próximos anos.
Mas, há dois outros adversários ainda mais próximos. Se é poderosa no
mercado nacional, a Globo não tem porte para enfrentar as operadoras de
telecomunicações e os estúdios de Hollywood. Incapaz de derrotá-los em
próprio solo brasileiro, a Globo partiu para uma estratégia
defensiva-ofensiva.
Por pressão da Globo, a Lei 12.485 praticamente excluiu as operadoras
de telecomunicações do mercado de mídia. Elas não podem ter mais do que
30% de produtoras e programadoras de TV paga e emissoras de TV aberta. E
também não podem contratar os direitos de eventos de “interesse
nacional” (como o Campeonato Brasileiro de futebol, a Copa do Mundo, as
Olimpíadas e o carnaval da Sapucaí) ou “talentos” brasileiros (como
artistas, diretores e roteiristas – exceto quando for para publicidade).
Ao mesmo tempo em que constrói uma barreira contra as teles, a Globo
segue associada ao grupo DirecTV (na Sky brasileira) e à America Movil
(na NET).
A mesma estratégia foi adotada diante das majors norte-americanas. A
Globosat mantém uma associação com Universal, Paramount, Fox, MGM e
Disney nos canais Telecine, além de servir de segunda janela para a
Sony-Columbia no Megapix. Mas, mantém poder de veto aos canais
estrangeiros na Sky e na NET.
Com isso, a Globo busca ser um ponto de passagem obrigatório no
mercado brasileiro, tentando se manter como o parceiro ideal para esses
grupos transnacionais, ao mesmo tempo em que lhes dificulta a
concorrência.
Futuro
A estratégia é inteligente e por enquanto vem dando certo. Mas, até
quando? Ao mesmo tempo, ela é sintoma de um duplo fracasso das políticas
(ou da falta delas) para as comunicações brasileiras. Exceto pela Globo
(e em parte por causa dela), o país não foi capaz de criar grupos
fortes de comunicação. E nossa “campeã nacional” precisa lançar mão de
uma série de expedientes para impedir a concorrência estrangeira.
Não se trata nem de demonizar a Globo nem, muito menos, de uma
tentativa de salvá-la dos gigantes internacionais. Mas, de reconhecer
que, com Globo ou sem ela, o futuro não é nada animador para a
comunicação brasileira.
http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=846446