quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O OLVIDO DO COLORIDO DO NATAL

O OLVIDO DO COLORIDO DO NATAL
Urda Alice Klueger


Sei que foi no ano passado, primeiro semestre – não dá para me enganar porque foi quando meu cachorrinho ainda era um filhote, eu tinha que viajar e deixei-o, horas antes, num hotelzinho de cachorros, que o perdeu antes que eu tomasse o rumo da estrada. Foi uma coisa horrível: o coração me disse na hora que algo estava ocorrendo, e o hotelzinho deixou até de atender o meu telefone, e sequer se preocupou com o sumiço do meu bichinho. Fui eu quem descobriu a falta dele, e quem o procurou ruas afora, gritando seu nome enquanto chorava inconsolavelmente, e se o descobri de novo, foi graças a uns pequenos seres maravilhosos chamados crianças, que me orientaram na procura daquele cachorrinho preto que todas elas tinham visto passar pelas ruas onde moravam.

Eu teria que viajar de manhã bem cedo e estava desesperada, sem saber o que fazer com meu cachorrinho, até que meu primo Germano Gieland me disse ao telefone:

- Eu cuido dele. Pode trazê-lo para cá.

Foi o fim da estada de Atahualpa em hoteizinhos, e o começo de uma nova família para ele, família da qual ele gosta tanto que penso que às vezes gosta até mais do que gosta de mim, tanto se afeiçoou ao Mário Henrique, à Hana, à Bruna, à Rosiani, ao cachorro Capitão...

Mas não era isto o que eu ia contar. Queria falar era daquela viagem que começara tão conturbada. Eu ia até o sul do Estado, a uma cidade chamada Forquilhinha, onde havia um delicioso colégio de freiras chamado Colégio Sagrada Família, onde até dormi, e onde cheguei a conhecer uma freira que, indubitavelmente, passara pela graça de um milagre. Só que fui para a estrada longa muito triste, tão abalada ficara com a quase perda do meu bichinho, e já andara, creio, uns 300 km quando parei para almoçar num lugar que vendia muitas coisas lindas. Fiquei pensando que talvez faria bem ao meu coração comprar algumas coisas daquelas, e pensei que haveria o primeiro Natal com o meu cachorro, e comprei algumas coisas muito coloridas, que agora estão empilhadas aqui do meu lado: três jogos de toalhas de banho que até parecem voar na lindeza das suas cores, e um edredom vermelho e amarelo, com frisos e listrinhas, todo macio e fofo – coisas para esperar para usar na época de Natal.

E então veio novembro de 2008 e a Tragédia das Águas, que tirou tudo dos eixos na minha vida e na de tantos, sem contar os tantos que perderam a própria vida, e fugi de casa como já contei em tantos outros textos, e ainda vivo a amargura que o poder público faz a tantos que ficaram sem eira, sem beira, depois que suas casas e terrenos sumiram em segundos, e ainda me pergunto, como tantos se perguntam, onde ficou o dinheiro das tantas doações e o que veio do governo federal para resolver os problemas desta minha cidade quase devastada, onde se maquia violentamente a área central, para que o turista não veja, não saiba da verdade...

Faz um ano, agora, que aconteceu a grande Tragédia. Estamos de novo em novembro, e faz pouco mais de três meses que vim morar nesta casinha livre de barrancos e de ribeirões, onde meu cachorro tem até direito a um jardinzinho. Foi na mudança... sim, foi na mudança que encontrei aqueles jogos de toalhas e o edredom colorido, coisas das quais esquecera completamente diante das amarguras que viraram nosso mundo de cabeça para baixo no ano passado, um ano onde sequer as cigarras cantaram, um ano onde só houve o Natal falsificado que se fez para o turista ver.

Coincide com este final de semana que estou vivendo o aniversário daquela Tragédia que mudou tanto as nossas vidas, e então fui buscar no armário as coisas coloridas que comprei para o Natal passado, e estou aqui a olhá-las. Eram coisas para o Natal, e se alguém que gosta do Natal como eu esqueceu inteiramente da existência delas, então é porque estava muito mais ferida e angustiada do que pensava.

Faz uma semana, fui visitar um dos “abrigos provisórios” onde os trabalhadores desta cidade estão alojados em condições inumanas, e então, no outro dia, chorei muito, muito, de dores engolidas, sufocadas, pois era necessário fazer a vida continuar, e há um ano atrás viver era tão difícil que até as belas coisas compradas para o Natal eu olvidei totalmente, apaguei da minha mente.

Há que se ser muito insensível para se esquecer do que aconteceu faz um ano.





Blumenau, 22 de novembro de 2009.





Urda Alice Klueger

Escritora

Um comentário:

Marcio Vieira de Souza disse...

Crônica enviada e sugerida pelo amigo Raul Longo e publicada com autorização da grande escritora e nova amiga do blog do mercado
Urda Alice Klueger