sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Artigo: O último Coronel

O ÚLTIMO CORONEL
Raul Longo
- debate de passado e futuro em Florianópolis –

Melancólica manhã.
Nem os empregados (ainda dormem!), para o coar do café.
Por que tão matutino despertar? Noite insone, enrodilhada no inegável negar... Negando o sono ao melancólico Coronel.
Afasta a cortina, mas esquece de olhar o céu onde um bando de pássaros estanca o vôo. Estáticos, como se o presente não lhes prosseguisse.
No gramado do jardim descuidado, abandonado, se reproduz a negação na tela da TV... O ser negado pelo próprio afilhado.
Teria escolhido certo? O moleque inexperiente seria mesmo o melhor indicado?
Qual outro?
Não se pode fugir à realidade e a realidade é que nenhum mais haveria de se arriscar em seu nome, a ser com ele confundido.
O moleque é bom! Sabe ser dissimulado.
Não tanto quanto o outro; safado! Aquele, sempre soube ser safado! Perigoso e traiçoeiro em seu jeito dissimulado, oportunista. Nada assume!
Mas o moleque é bom! A conversa de jovem e juventude é muito boa! Boa idéia essa de alguém novo para mudar o passado. Boa idéia para continuar tudo como sempre esteve na eterna história de um só presente.
O moleque, para negar o passado. Boa idéia!
O moleque é bom... Não tem culpa. Não teve culpa.
Melhor seria o outro... Não o safado que é perigoso, traiçoeiro, e com ganância de ser coronel. Se deixar, esse filho-da-puta será coronel em seu lugar.
Mas o outro é quem seria melhor do que o moleque: mais experiente, de melhor conversa. Esse sim, sabe ser safado!
Safado, mas bom aliado nas vezes em que foram aliados. Bom de conversa e bom de voto. De dar inveja...
Todos: suas crias! Mas confiar mesmo, em nenhum.
Nem no moleque! Seu afilhado, mas de confiança só enquanto ainda cru, aprendiz de safado. Bom aprendiz, mas não sabe de nada. Não incomoda.
Se incomodar, é fácil descartar! Afilhado é bom, porque não incomoda. Quando não se comporta, é só apertar o pai.
Todo moleque jovem, inexperiente, tem o risco de querer se meter a besta. Mas sempre afinam pela família. É só apertar o pai... E o pai lhe deve! Todos lhe devem! Desses, quem não deve ao Coronel?
Mesmo o bom de voto! Bom de conversa... Tão bom que voa sozinho, estancando o presente. Mas lhe deve!
O Perigoso só não deve mais, porque nele nunca confiou. Mente demais, é dissimulado demais, é safado demais! Muita ganância! Quer ser o novo coronel do estado. O coronel do futuro estático.
Se ganhar essa eleição, restará apenas essa esperança sem jeito! Esperança com tantos cuidados... Mais dia menos dia, todos serão traidores. Há um traidor em cada aprendiz, e sempre é preciso cuidado.
Não foram esses cuidados que tiraram o sono do Coronel, já habituado às traições. Nem mesmo a raiva, o nojo da moça bonita de foice e martelo.
Ah! Esses de sua cria não têm mais a mesma gana! Sua mesma garra! Sua raiva! A raiva e a coragem que era dele. Só dele e dos coronéis de sua saudosa história! Ah! Se tivesse ainda aquela mesma ditadura! A sua ditadura! Abriria as pernas da moça bonita ao seu martelo e, depois de servido, deixava os restos para os jagunços passarem à foice!
Nos seus bons tempos de ditadura, uma moça daquela daria bonito enfeite de árvore de natal, pendurada num pau-de-arara.
E aquele outro, afrescalhado? Até poderia ser seu, se fosse inteligente. Saiu do errado, mas continua um pobretado. Nasceu pra ser pobretado!
Hipócritas sem futuro!
Mas esse não tira o sono de ninguém. O que tirou o sono do Coronel, foi o ser negado. Escondido! Escondido e negado pelo próprio afilhado.
O moleque é bom! Não tem culpa. Tinha de ser assim mesmo, já estava combinado. Sabe que tem de se esconder. Mudou até o nome do partido! Assumiu-se demo para se fingir democrata. Coisa mais caricata!
Tudo por causa dessa raça!
A moça, apesar da foice e do martelo, pelo menos é bonita! Daria bonito enfeite pendurada num pau-de-arara. Mas essa raça de...
É essa raça que acaba com o sono do Coronel! São esses desgraçados que não o deixam dormir!
E foi o dessa raça que insistiu em acusar o moleque como seu afilhado. Que não poderia fugir! Que não pode negar! Como se ele fosse o demo. Como se o moleque fosse vôo estancado num céu sem futuro.
Não existe futuro! Futuro é bestagem, discurso vazio.
Como disse o que não deveria dizer o Perigoso: “Ninguém está aqui para falar de futuro. O futuro não interessa! Temos de ver o presente!”
O desgraçado querendo iluminar o passado obscuro em busca de um futuro mais claro, como se isso fosse teatro, jogo de luz!
Não sabem que política é teatro de sombras, onde nada é o que parece?
Que porra de transparência tanto querem esses três idiotas: a moça da foice e martelo, o tonto do apobretado, e o desgraçado de futuros? O que importa é o quanto vai dar, o quanto vai render. Qual a porcentagem, o lucro?
E isso é o presente! O que importa! Não se constrói poder com futuros!
O passado é para esquecer, e o futuro que se dane, como disse o Perigoso. Do passado não há consciência, mas é o futuro que dificulta o dormir do Coronel na melancólica manhã insone em que sabe que já não importa quem se deu melhor no debate, nem mesmo quem será o escolhido do eleitor.
O último Coronel sabe que foi o grande negado, o excluído. Nunca lhe pesou a consciência, mas dói ser evitado. Sabe ser mentira, sabe que tudo se ajeita no presente das porcentagens... Mas dói ser negado pelas próprias crias.
Longe, canta um galo... O Coronel sorri da ironia.
Se o telefone tocasse por alguém querendo confortá-lo, seria Judas transmitindo pêsames ao próprio morto? Tudo porcentagens e traições!
Lembrou do filho, desprestigiado e anônimo lá no Congresso. Voltou a lembrar da condição de aprendiz do afilhado... E tornou a perdoá-los, aceitando ser a traição coisa traçada pelo destino dos coronéis. Lembranças sem ternura, pois a tais sensações não se permitem os coronéis.
Muito menos às lágrimas! Ao inverso, escarrou o ódio no gramado do jardim abandonado, mas a frase lhe saiu traída: “Livrei-os de minha raça por 30 anos!”
No céu, os pássaros retomaram o vôo como se o futuro os prosseguisse.
Raul Longo
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