O VIOLINISTA QUE DESCEU DO TELHADO
Raul Longo
Um Violinista no Telhado (Fiddler on the Roff), espetáculo da Broadway dos anos 60, foi versado ao cinema em 71. História de comunidade judia do sul da Ucrânia, no surgimento da União Soviética, se convidou para dirigir o filme a Norman Jewison, já que o sobrenome indica que Norman seria filho de judeu. Só depois da estréia, o diretor explica não ter qualquer ascendência semita.
A universalidade da cultura humana derruba preconceitos. Por exemplo: quem pode imaginar um grupo de forró nordestino formado por belgas ou chilenos da Terra do Fogo? Franceses ou haitianos?
Se até aos apreciadores de gaiteiros de milongas, muitas vezes é impossível valorizar a cultura nordestina; como se imaginar um belga a tocar forró?
O teto do mundo é o Everest, mas muitos consideram as regiões mais próximas ao Ártico como o telhado, embora, em termos climáticos, seja ali onde o planeta parece mais desabrigado, com temperaturas que, no inverno, atingem a 35º negativos. Na Ucrânia ou em Quebec não é nada fácil ser um violinista em cima do telhado.
Esta pode ter sido uma das razões para Francis Covan descer a este sul de Brasil, depois de haver estado em Aracajú no ano passado, mas o que realmente determinou o interesse de Francis pela capital de Sergipe foi sua atividade como sanfoneiro do Forrótimo!
Quem é o Forrótimo? O único grupo de forró do Canadá.
FORRÓTIMO
Música Brasileira com sotaque do sertão nordestino na voz de Niko Beki (Bélgica), voz e guitarra de Rodrigo Salazar (Chile) percussão de Daniel Bellegarde (Haiti) e Fabrice Laurent (França), e sanfona de Francis Covan (Bélgica).
Claro! Não seria mesmo de se esperar que houvesse mais do que um grupo de forró no Canadá, afinal, quantos brasileiros há naquele país?
No Forrótimo, nenhum! E o sanfoneiro, elemento básico no gênero, não foi convidado ao acaso, pois o belga Francis Covan é um músicos do consagrado Cirque du Soleil. Assim mesmo sentiu-se na obrigação de aprender mais na terra dos mestres da sanfona e ainda aproveitou para passar no Rio de Janeiro e visitar outra de suas muitas paixões musicais: a bossa nova. Depois voltou para o telhado do mundo onde faz muito sucesso, mas o inverno faz muito frio e, acompanhando as aves de migração: voilà Brésil!
Dessa vez escolheu Florianópolis, por indicação da amiga, compositora, violonista e cantora Bïa Krieger que canta nossa cidade em versos e shows por Europa e América do Norte onde é referência musical. Infelizmente, enquanto a filha do governador se sentir mais erudita em seu gosto pela ópera, sequer se cogitará empregar recursos dos impostos que pagamos, para que Bïa possa nos mostrar como encanta as platéias européias e norte-americanas.
Em contrapartida e a despeito da absoluta falta de reconhecimento local por esse talento que tanto nos dignifica perante o que há de mais valorizado na música contemporânea internacional, foi Bïa quem nos enviou Francis Covan. Assim se deu na Ponta do Sambaqui, no Rancho do Neco, um Dom Quixote de violino e arco em punho, pra espanto do fiel público dominical.
Já no primeiro momento evidenciou-se que o estrangeiro não entendia nada de samba. Afinal, quem alguma vez imaginou pôr violino em samba?
Francis prestou atenção no primeiro, no segundo... E já no terceiro acorde estava acompanhando sambas e mais sambas como se houvesse nascido em qualquer morro carioca. Na empolgação dos demais músicos do Rancho e do próprio Neco, a qualificação foi unânime e imediata: “- Esse cara é um monstro!”
Um caçador de zumbidos...
Foto: Ida Matsumoto
Por seu humor e simpatia, há os que preferem considerá-lo duende. De fato tem algo de encantado, de mágico. Impressão confirmada no cd de composições próprias: 1 + 1 = 11. Na primeira faixa: apenas um violino. Na segunda, Francis acompanha a si mesmo, em play-back, tocando acordeão e piano. Na terceira, executa 3 instrumentos e assim sucessivamente até a décima primeira faixa do disco onde, sozinho, desempenha onze instrumentos.
soterrado por notas e acordes de multiinstrumentista genial.
Mas para quem o vê pela primeira vez, a principal magia do Francis é a de demonstrar que se os grandes mestres de nossa música nunca puseram violino no samba, foi por mera falta de oportunidade.
Esse violinista que desceu do telhado para aqui aventurar novas expressões musicais faz planos de levar alguns dos excelentes músicos do rancho do Neco para conhecerem a famosa Montreal do mais importante Festival Internacional de Música da atualidade.
O Festival só ocorre no verão de lá, quando aqui será inverno. Para quem não possa ir até Montreal nem quer aguardar a possibilidade de Francis um dia vir ao Brasil acompanhando o Circo de Soleil, pode conhecê-lo na Ponta do Sambaqui, aos domingos, lá pelas 9 da noite.
Quanto a qualidade musical da interpretação do violino de Francis Covan, a melhor crítica é em italiano: “senza parole!”. Mas não se pense que cante ópera! Em compensação, sai bem mais em conta do que o valor que iam descontar de nosso imposto para cobrir o cachê de réveillon do tenor preferido da filha do governador.
Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
pousopoesia@gmail.com
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
88.051-001 - Floripa/SC
Tel: (48) 3206-0047
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