quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Programa da Globo trata espectador como criança

14/02/2010 |
Eduardo Escorel*
Folha de S. Paulo- FNDC

Um espectro ronda a Rede Globo. Pode ser visto todas as sextas-feiras, às 22h30. Chamado de "Globo Repórter", passou por mudanças desde 1973, quando estreou. Perdeu o vigor original que manteve em algumas fases.

No programa exibido no último dia 5 de fevereiro, além de gravar as intervenções do apresentador e a narração, a equipe do "Globo Repórter" se limitou a traduzir um filme coproduzido por diversas emissoras de televisão europeias.

Por coincidência, ou não, o filme original, tratando das reações neurológicas provocadas pela paixão, tem ingredientes semelhantes às novelas produzidas pela emissora.

Em Paris, os personagens de um triângulo amoroso participam de um reality show privado, cujo desfecho é uma noiva, em pleno altar, decidindo entre dois pretendentes. Tudo a pretexto de fazer uma divulgação científica.

Mesmo com a narração tonitruante, o espectador incauto, ou sonolento, tem dificuldade de perceber que a novela "Viver a Vida" e o reality "Big Brother Brasil" terminaram.

Transformado em mistura de novela e reality show, o "Globo Repórter" atenta contra o jornalismo.

O que o filme original tem de mais elaborado são as animações dos órgãos do corpo reagindo ao estímulo da paixão. Mas, quando cintilações são aplicadas à imagem dos atores, o resultado é ficarem parecidos com personagens de Peter Pan.

Assim como os dois programas que o precedem, este "Globo Repórter" procura infantilizar os espectadores. Frases ditas na narração como "o amor afeta o cérebro como um doce"; "para a ciência o beijo é a primeira penetração"; "o cérebro toma a rédea da odisseia mágica do corpo apaixonado" etc. dão uma ideia da qualidade do texto e do nível da divulgação científica, inapropriados até mesmo para pré-adolescentes.

No horário em que é exibido, um adulto no pleno exercício de suas faculdades mentais não pode deixar de se sentir tratado como criança e desrespeitado, além do mais, pelo bombardeio da publicidade nos intervalos -dez comerciais no primeiro e 14, no segundo.

No final, o convite feito aos espectadores para contarem o que sentiram ao passar pela "revolução interna de uma grande paixão", enviando depoimentos gravados em vídeo ao site do programa, é um fecho glorioso na tentativa de o "Globo Repórter" transformar a vida em espetáculo.

*EDUARDO ESCOREL é cineasta.

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